Como frequentemente vejo ser dito, e como eu mesmo já formulei diversas vezes, o valor do homem está em sua força, enquanto o valor da mulher está em sua beleza. No entanto, não creio ser esta uma concepção suficientemente clara e precisa, e por isso pretendo ampliá-la. Surge a evidente questão: que valor é este? É social, ontológico ou ambos? E, se social, quem é que o avalia?
Como bom leitor de Jung, rapidamente me questionei se este valor atribuído à perfeição específica a cada um dos sexos não pode ser algo de parcial, e se a valorização de uma pessoa não se pode dar de acordo com a perspectiva – isto é, se sua particularidade enquanto sexo não influencia seu julgamento sobre ambos os sexos. Neste texto, falarei apenas do aspecto social da avaliação do valor do outro enquanto pertencente a seu sexo – isto é, não comentarei sobre a ontologia do valor do homem e da mulher, e nem sobre os fatores pessoais de julgamento. Descreverei apenas o que creio serem fatores coletivos de avaliação do outro enquanto homem e enquanto mulher. Eis meu raciocínio.
O homem é – enquanto homem – julgado por sua eficiência. O princípio que move o homem é a força. Todo homem já sonhou em ser herói, guerreiro, aventureiro ou rei. Entretanto, seria esse valor assim tão simples? Pois creio que, mais do que numa única palavra, o homem é julgado pelo produto de seu princípio de força em relação com o meio. Isto é, a “força” masculina não tem valor dado, mas sim utilidade marginal de acordo com o contexto e as necessidades e vontades presentes na estrutura social vigente. Um intelectual é inútil como homem na idade da pedra, assim como um guerreiro é inútil como homem em uma capital na era da informação. Pois bem, o homem é avaliado de acordo com sua eficiência em produzir aquilo o que há de maior utilidade marginal na estrutura social vigente. Seu valor para o coletivo enquanto detentor de eficiência não é direto, mas um reflexo da quantidade e do valor do bem – cultural ou material – que produz.
O homem também pode ser avaliado enquanto detentor de virtude ou como simples pessoa, mas isto só se dá quando há proximidade o suficiente entre o avaliador e o avaliado para que se desenvolva uma relação pessoal, e aí já não mais se trata dos critérios coletivos de avaliação. Tenho a impressão de que, nas cidades grandes e nos ambientes massificados em geral, o valor de eficiência prevalece, já que há menos tempo, mais estímulo e menos pessoalidade num primeiro momento, enquanto nas cidades pequenas são o valor de virtude e a compreensão pessoal que se pronunciam. Isto deve se dar porque a virtude e a pessoalidade demoram mais para se revelarem e são mais sutis, só podendo se mostrar quando há um ritmo de vida mais calmo e pessoal, no qual se conhece a maioria das pessoas com quem se encontra diariamente. Mesmo num ambiente massificado, dados o tempo e a proximidade necessários para se conhecer alguém, o padrão dominante de avaliação se torna aquele que é mais pessoal. Evidentemente, quanto mais próximas duas pessoas são e quanto mais pessoal é a relação delas, mais pessoais e menos coletivos e sociais se tornam os padrões de julgamento e avaliação do outro, e a própria “avaliação” abre espaço à compreensão.
Devemos, no entanto, fazer uma distinção entre o homem como julgado pelo homem e o homem como julgado pela mulher, lembrando novamente que sob a perspectiva de valores e fatores coletivos: o homem como avaliado pelo grupo de homens tem seu valor dado por sua utilidade marginal – adaptada ao contexto e sentida pelos integrantes do grupo – ao grupo de homens: um homem em um grupo de guerreiros tribais seria avaliado de acordo com suas capacidades de guerrear e com suas características adjacentes à guerra e que se destacam na guerra: lealdade, força, resistência, etc.
O julgamento feminino do homem, por outro lado, se pauta na utilidade marginal dele à mulher enquanto especificidade feminina. A mulher enquanto mulher o julgará por sua contribuição à civilização, já que é ela mesma o próprio princípio civilizatório – o homem se civiliza de acordo com as exigências e os caprichos da mulher. É da mulher que nasce a exigência de higiene e arrumação, por exemplo. O homem pode não ser de todo um selvagem, mas é do feminino que surge a busca pela execução de caprichos. A mulher avalia o homem de acordo com seu valor para o coletivo como um todo de acordo com sua própria percepção de contribuição para com o coletivo. Se entende um médico como mais “útil” do que um porteiro, tende a respeitar e estimar mais os vários médicos que pode encontrar do que respeita e estima os vários porteiros que encontra.
Entretanto, a mulher nunca é apenas mulher. É filha, mãe, irmã, enfermeira, professora, etc, que define o que chamei de especificidade feminina ou especificação do modo feminino de agir. Uma mulher pode atuar fora de sua especificidade feminina, como por exemplo ao ser arquiteta ao invés de professora, e isso não necessariamente constitui um problema. Entretanto, sempre terá uma espécie de especificidade feminina, como a de ser mãe, bem como o homem pode ter uma especificidade do masculino enquanto pai, irmão ou guardião da tribo. Há dois tipos de especifidade: a familiar, sempre presente, e a de ofício, que é um papel adquirido. Nem todo homem é um guardião de sua tribo, apesar de ser naturalmente inclinado a assim ser, como variável isolada. A especificidade familiar parece ter mais influência sobre a mulher do que a especificidade de ofício, e largar um emprego raramente faz com que a mulher se questione sobre sua própria imagem de si mesma, se comparado ao homem. No homem, por outro lado, parece haver uma preponderância da especificidade de ofício sobre a familiar. Ouvimos centenas de histórias sobre homens que, a modo de herói, aventureiro, explorador, deixaram suas famílias e sua tribo, em muitos casos até mesmo sua nação, a propósito de seu ofício, enquanto raramente ouvimos a história de uma mulher aventureira ou exploradora. Justamente porque, em sua estrutura avaliativa, o papel familiar e de enraizamento tende a ser mais forte que a vontade de explorar e produzir. A mulher é mais do hábito e da segurança, enquanto o homem é mais da exploração e da novidade. Como diz meu amigo Malboro, o primeiro a pegar uma semente de trigo e enfiar na terra provavelmente foi um homem (certamente considerado bastante esquisito pelas mulheres de sua tribo), mas foi a mulher quem criou o trabalho repetitivo e consistente, plantando diariamente e traduzindo o resultado da exploração em hábito. Também nisso a mulher se mostra o princípio civilizatório, na medida em que a civilização exige a consistência.
Como expliquei antes, o homem é mais chegado ao fazer, e, como explicarei melhor mais adiante, o valor (social-coletivo) da mulher está mais no próprio ser, isto é, o patrimônio pelo qual é julgada é mais fundido a ela, estático e mais direto.
Portanto: a mulher enquanto mulher avaliará o homem pelo seu valor à civilização, simplesmente. Se ele contribui com o bem-estar do grupo como um todo, já é bem-visto pela mulher, que é o próprio princípio civilizatório. A mulher enquanto mãe vê o valor prático de seu filho em sua capacidade de se sustentar enquanto filho, isto é, deixar sua posição de dependência. A mulher enquanto professora avalia os alunos de acordo com sua aprendizagem escolar, e a mulher enquanto esposa avalia o homem enquanto hábil a ser pai. Por isso um homem sem emprego e fraco frente à adversidade não é “um bom partido” como considerado pelas mulheres. Entretanto, evidentemente, no caso individual, valores mais pessoais e individuais entram em questão, e não se pode generalizar estes. Esta exposição é uma exposição dos valores coletivos e sua percepção. Além disso, há um adendo a se fazer: outros componentes psíquicos, ou a face ctônica da imagem do sexo oposto podem se manifestar, produzindo um fascínio pelo indivíduo desajustado enquanto portador da projeção, e nisto temos algo de totalmente distinto da avaliação racional comum. Assim se explica o eventual apaixonamento das mulheres pelos tipos delinquentes. Entretanto, as duas coisas sempre se distinguem: a própria mulher sabe que o homem com quem, neste caso, se envolve, não é objetivamente “válido”, e, ou tenta justificar e racionalizar sua atração dizendo que ela pode mudar ele ou arruma qualquer outra desculpa, ou entra em conflito aberto e se vê em necessidade de conciliar os opostos que então se fazem opostos: o “cara legal” e o “fora da lei”.
Agora, à avaliação da mulher pelo homem: tendemos a vê-la como possuidora de patrimônio, ou aquela que é valorizada pelo que é, isto é, por aquilo que carrega consigo, indiferenciado da imagem social dela própria. Enquanto no homem a habilidade, que pertence ao próprio homem, é valorizada só secundariamente, pelo valor daquilo que produz e dos efeitos que tem, a beleza na mulher é valorizada nela mesma, indissociada da apresentação da própria mulher. Assim, valorizamos a mulher diretamente, enquanto valorizamos o homem indiretamente. A beleza dela é parte dela mesma, e assim o apreciar da beleza acaba sendo um valorizar coletivo da própria mulher. De novo, isso não tange o pessoal, trata apenas da valorização dos aspectos coletivos da mulher e do homem.
Observe, no entanto, que o ideal do indivíduo influi bastante sobre a forma como este avalia os outros e sobre sua hierarquia de valores e prioridades. O ideal, por sua vez, é um composto de reflexão e experiência pessoais e fatores coletivos e herdados ou passados. Assim, por exemplo, uma mulher que sofreu com a falta de um pai deve ter seu ideal de homem afetado por este fator pessoal. O modo específico como isso acontece vai depender dos indivíduos e do contexto envolvido. Esta mulher que sofreu com a ausência do pai pode ter seu ideal de homem influenciado por isso tanto de modo a desenvolver um fetiche ou um medo de abandono quanto de modo a prezar mais do que o comum pela paternidade ou desenvolver um entendimento mais aguçado do que o comum de como um homem pensa, para compensar suas dificuldades. O mesmo vale para o homem: seu ideal de mulher não se reduz à mãe, como diria um freudiano, mas é por ela influenciado, e isto pode ter inúmeras consequências, a depender do indivíduo em questão.
Mas como a mulher valoriza a mulher?
Neste ponto, sou obrigado a distinguir dois tipos de mulher. Temos a “mulher fixa”, isto é, aquela que se enraizou, formou família e vive fixa ao grupo e à família, não considerando como uma opção se desenraizar e andar por aí como a árvore que fugiu do quintal, e temos a “mulher solta”, que, por outro lado, vivem justamente de sua soltura, de seu patrimônio fixo a ela mesma, como a beleza e a ternura. Estes tipos não se definem de acordo com uma posição explicitada da mulher, mas de acordo com a hierarquia de valores pela qual regem suas vidas e tomam suas decisões. Por mais “conservadora” que uma determinada mulher possa parecer, ela poderá ser uma mulher solta caso aceite ganhar vantagens por sua beleza, seduza homens em suas andanças e não busque ou tenha, de fato, enraizamento profundo com sua família e seu grupo.
Enquanto meramente mulher sem relação contextuada, a mulher fixa deve avaliar a mulher como detentora do princípio de civilização, enquanto a mulher solta deve admirar as outras mulheres por aquilo que ela tem como imperativo para si própria, enquanto solta: o patrimônio de aprazibilidade, atratividade, beleza, etc., e a capacidade de usar isso para sua vantagem. Uma tende a odiar a outra: a fixa odeia a solta por aquela demandar desta a fixação, isto é, o enraizamento na família e no grupo, enquanto a solta tende a desprezar os valores fixos e “limitadores” das soltas.
A categoria a que a mulher pertence é determinada pelos imperativos através dos quais realmente vive sua vida, podendo estes ser influenciados por criação, idade, atratividade, contexto social, sistema próprio de crenças, individualidade, experiência pessoal, etc. A fixa chama a solta de puta, e a solta chama a fixa de desvalorizada ou escravizada. Outra distinção é que a mulher solta é “romântica”, isto é, procura emoções intensas, enquanto a fixa é mais maternal, isto é, busca estabilidade. São as servas de Afrodite contra as servas de Hera, as Hetairai vs. As Matriarcas, as mães, como os gregos mais uma vez sabiamente descreveram. Uma mãe que aceita seu papel de mãe é necessariamente uma matriarca, uma mulher fixa. A necessidade de se sentir admirada da mulher se manifesta não na admiração por seu fazer, como é no homem, mas na admiração por seu patrimônio próprio, isto é, a beleza, a qualidade de matriarca ou de sedutora, etc. Na hetaira, o desejo precede o objeto, e qualquer admiração será prazerosa e sentida em sua integridade. Assim surge a concepção comum de que as mulheres jovens, no interesse amoroso, tendem a simplesmente permitir que homens em que elas não têm interesse manifestem admiração por elas. Mesmo tendo certa proximidade social com estes homens e sabendo que eles gostam delas, elas não se afastarão deles, porque sentem prazer com os elogios e o desejo que eles têm por elas. Daí a prostituição virtual, o onlyfans, as fotos ousadas no Instagram, etc. Já o desejo por admiração da matriarca não é prévio ao objeto e desenraizado, móvel, como o da hetaira: é uma vontade de ser apreciada enquanto matriarca e por aqueles a que ela se fixou: pela comunidade local, o grupo próximo, o marido, os filhos, etc. Ela não quer ser vista como atraente a não ser pelo marido, e a única atenção que busca de fato é a próxima. Quer reconhecimento privado e reservado, e não público. Se outros homens desejarem ela e ela perceber, ela vai ficar genuinamente desconfortável.
Evidentemente, uma matriarca não é somente matriarca, bem como uma hetaira não é somente uma hetaira. Estes dois tipos se contradizem enquanto imperativos e valores de atuação – entretanto, uma pessoa tem muitos campos de atuação, e esta categorização geral de tipos e de avaliação do outro de acordo com tipos é somente uma parte do que constitui todo o valor e a importância social da mulher. O mesmo se aplica aos critérios coletivos gerais de avaliação que descrevi, tanto para o homem quanto para a mulher. Que o leitor considere meu ponto não como pretensão à descrição da totalidade das relações entre os sexos, mas enquanto minha observação de uma das muitas dinâmicas que existem entre os sexos.