1- Introdução; o que é praxeologia?
A praxeologia é o estudo da ação humana, uma teoria pela qual se deriva teoremas econômicos, sendo ela fundamentada pelo Ludwig Von Mises, economista, defensor do liberalismo e do Estado de Hobbes, sendo apresentada em sua obra prima “Ação Humana”. Mises tentou demonstrar que todas as teorias econômicas, assumindo certos fatores empíricos, podem ser deduzidas a partir do axioma “humanos agem”. Porém, é claro, parece um tanto absurdo a afirmação de que teorias econômicas aparentemente complexas possam ser deduzidas de uma proposição tão simples. Portanto, neste presente artigo, apresentarei as teorias econômicas mais importantes e demonstrarei como elas são deduzidos do axioma da ação humana.
1.1- O Homem, a razão e a ação
O Homem tem diversas características que o diferencia dos animais, todavia, sem dúvidas, a principal característica que o coloca como sendo único é a racionalidade. A racionalidade torna o Homem um ser livre de seus instintos. Por exemplo, imagine uma maçã, um animal que não é dotado de racionalidade iria comê-la por puro impulso de seus instintos. Já o Homem pode comê-la por sua pura vontade em querer sentir o gosto da maçã, ou simplesmente saciar sua fome, da mesma forma que ele pode não querer comê-la por achar que ela está estragada ou simplesmente não gostar dela. Logo, podemos concluir que o Homem não é “escravo” de um impulso natural.
Com isso em mente, é fácil entender que a razão é a ferramenta que o Homem utiliza para que a ação seja executada, pois a ação é, praxeológicamente falando, o uso de meios com o objetivo de suprir um estado de insatisfação por um estágio mais confortável, sendo que tal atividade só pode ser realizada à medida em que o Homem consegue separar os meiosdos demais recursos disponíveis e, também, consiga escolher entre um estado e outro, pois, se o Homem escolhe estado A em detrimento de seu estado atual B, isso quer dizer que o estado B — em relação à A — era um estado desconfortável (veremos todos esses conceitos no decorrer do texto). Com tudo exposto, fica evidente o porquê de a razão do Homem ser necessária para que uma ação seja executada.
1.2- A ação
1.2.1- O que é ação
Como foi dito, a ação é o uso de meios com o objetivo de suprir um estado de insatisfação por um estado mais confortável, tendo o estado de maior satisfação como fim: entenda por estado de insatisfação e estado mais confortável como sendo o estado onde o agente quer se abster e o estado que supri o estado de insatisfação, sendo que essa seria uma relação de escolha, em que o agente se encontra e A e prefere estar em B; entenda por meio como sendo um recurso utilizável para se abster do estado atual de insatisfação, sendo essa também uma relação de escolha, onde houve uma preferência em despender os meios para atingir o novo estado; entenda por fim como sendo o próprio estado de maior satisfação, o fim de toda ação.
1.2.2- Os meios
Os meios são todos os recursos utilizáveis para conseguir realizar a ação. Um recurso pode ser desde um estado no espaço-tempo, um objeto físico ou até mesmo a ausência de um, tudo o que pode, potencialmente, servir de auxílio para uma ação é um recurso, já o meio seria todo recurso que auxilia uma ação em ato.
Os meios possuem um papel fundamental em uma ação, sendo eles responsáveis por mover o agente de seu estado de insatisfação para um estado mais confortável, por exemplo, na situação em que um agente sente sede e tem vontade de beber água por sentir sua sede como algo desconfortável, ou seja, a água seria um dos meios para chegar no fim da ação, nesse caso, temos: a) a sede como um estado de insatisfação; b) o estado em que a sede não existe mais como um fim, o estado de satisfação que supri o estado de insatisfação; c) a água como um dos meios para se alcançar este fim; d) e outros recursos como outros meios –como o corpo que será usado para se deslocar até a água e consumi-la, o chão que será utilizado para que o indivíduo se impulsione para frente e chegue até a água, etc. Com essa exemplificação, fica claro que a água é um recurso que é utilizado em ato dentro de uma ação, por tato, ela é um meio, diferente de outros recursos que poderiam estar disponíveis, mas não são utilizados para a presente ação, logo, esses outros recursos são meramente recursos disponíveis, e não meios — como por exemplo, um computador, ele ainda poderia ser um meio para outras ações, mas para a ação específica de ir beber água, ele não se torna um meio, e sim um recurso disponível ao agente.
1.2.3- O fator espaço-tempo de uma ação
Considerando que a distância de um meio para si mesmo é zero, a distância de meios distintos sempre será maior que zero, pois só assim poderiam ser distintos. Dessa forma, há um “fator espaço” que separa os meios em distâncias, tal fator é essencial para que os meios de uma ação se tornem distintos um do outro e seja possível usar diferentes meios para diferentes ações. O espaço é o meio fundamental para toda ação, pois é ele quem garante a distinção e contensão dos meios de uma ação, do contrário, os meios ocupariam um único lugar, sendo eles indistintos um do outro, assim, não permitindo o uso deles para qualquer fim.
Sobretudo, mesmo que ele seja o meio fundamental para toda ação, ele é escasso, não há como dois agentes conter diferentes meios em um único espaço — i.e., usar o espaço disponível para conter seus próprios meios distintos –, portanto, o espaço também é escasso.
As fases de uma ação também são distintas, há a fase do desconforto, do uso de meios e a fase final que é o conforto. Essas fases só são distintas pois ocorrem em uma cadeia de causalidade que pressupõe o “fator tempo”, pois o tempo seria como uma dimensão extra que separa uma fase da outra para que elas não ocupem um mesmo lugar. O tempo é, portanto, assim como o espaço, o meio fundamental que permite que um agente passe de um estado para o outro, do contrário, o agente seria estático, preso em um único estado, que o impede de agir.
Da mesma forma que o espaço é escasso, o tempo também é. Enquanto o espaço é escasso por não permitir dois meios distintos o ocupando simultaneamente, o tempo é escasso por não permitir duas fases de uma ação distintas sendo realizadas simultaneamente.
1.2.4- Proposições implícitas na ação humana
a) “A ação é a expressão da vontade”
A vontade é o desejo, o desejo é sempre ter algo como fim, querer estar em um novo estado. Sendo assim, a ação é a expressão da sua vontade, pois só através dela é possível supri-la — usar os meios e atingir fins, satisfazendo a vontade do agente. Nesse aspecto, não fazer nada também é uma ação, pois, se o agente escolheu não usar os meios para atingir um determinado fim e ficar em seu estado atual, isso quer dizer que ele ou preferiu seu estado atual do que outro ou preferiu estar no seu estado atual do que despender seus meios para atingir um novo (pois seus meios podem estar em escassez ou poderão ser usados para outra ação mais importante). Ou seja, não fazer nada é expressar sua vontade, então, uma ação em que o fim dela foi ficar em seu estado atual e os meios dela forma ficar parado e não despender meios para sair daquele estado.
A vontade de um indivíduo, o desejo em algo, é sempre contingente, pois parte da forma como o mesmo reage diante o mundo externo, portanto, toda ação (que é a expressão da vontade) também é contingente, entretanto, a estrutura praxeológica por trás de toda ação tem uma necessidade apodítica.
b) “Nenhuma ação visa a insatisfação”
Poderíamos imaginar uma hipótese o qual um agente sente que deve sair de seu estado atual e ir para outro — que poderia ser, por exemplo, querer sair de seu estado atual de desemprego e se tornar um trabalhador –, porém, no final, escolher não fazer nada e continuar em seu estado atual (desemprego), isso o colocaria como um agente que que preferiu o estado de insatisfação em detrimento do estado mais confortável. Contudo, isso está totalmente equivocado, embora o agente quisesse estar trabalhando e estar no estado mais confortável para ele, o agente não quis fazer isso pois os meios que ele despenderia para isso (tempo, locomoção, meios para achar os empregadores, etc.) são escassos ou poderiam ser utilizados para outra tarefa mais importante (do ponto de vista do agente). Em todo caso em que a ação foi continuar em seu estado atual, só há duas possibilidades do porque o agente não dispendeu seus meios para conseguir seu novo estado, ou ele preferia seu estado atual ou seus meios eram escassos ou valiosos demais para serem despendidos em tal ação (onde houve preferência em ficar no estado atual com benefício em continuar com os meios que seriam despendidos), somente isso. Sob nenhuma hipótese a ação visa um estado de insatisfação, a definição praxeológica da insatisfação é justamente “estado do qual o indivíduo quer se abster”, como seria possível eu preferir um estado do qual eu não prefiro? É contraditório.
c) “Uma ação só ocorre se, e somente se, os recursos são escassos”
Ora, se todos os recursos não fossem escassos, incluindo o tempo e o espaço, toda vontade poderia ser satisfeita instantaneamente sem a necessidade de expressa-la em forma de ação. Os meios, por não serem mais escassos, não teriam mais a limitação de só poder um agente usar tal meio um de cada vez, seria possível dois agentes usarem um único meio para seus próprios propósitos — além de que o próprio espaço permitiria que dois meios diferentes ocupem o mesmo espaço e, ao mesmo tempo, sejam distintos um do outro. O tempo, por não ser mais escasso, permitiria que todas as fases de uma ação acontecessem simultaneamente, ou seja, a partir do momento em que houve insatisfação, ela já teria sido suprida instantaneamente pelo estado de satisfação apenas com a vontade do agente, todas as ações seriam realizadas ao mesmo tempo e passariam de seu estágio inicial para o estágio final instantaneamente. Isso seria, de certa forma, paradoxal, pois, se algo — que no nosso caso seria a ação, desde seu estado inicial até o final — deixa de existir a partir do momento que passa a não existir de forma instantânea, isso pressupõe que esse “algo” nunca tenha existido. Assim, se uma ação (que é constituída da fase inicial, a insatisfação, a fase da tomada de meios e a fase de satisfação) passa a deixar de existir a partir do momento em que existiu, então essa ação de fato nunca existiu, portanto, para que a ação exista é necessário que os recursos sejam escassos.
1.2.5- O caráter apriorístico da ação humana
O estudo da ação humana não é um estudo empírico como as ciências naturais, ela é uma ciência apriorística, i.e., um estudo que precede a experiência (assim como a matemática). A praxeologia não é observada empiricamente, nem em fenômenos sociais e nem na história, pois a praxeologia é um pressuposto para os fenômenos históricos e sociais existirem, é a estrutura metafísica da ação humana que dá forma a tudo o que é físico.
A praxeologia tem seu caráter a priori pois parte da mera natureza humana, em como ele faz com que seus instintos se submetam a suas escolhas (as suas ações) através do uso da razão. Com a praxeologia, é possível entender os fenômenos históricos e sociais/econômicos de forma meramente dedutiva, partindo do pressuposto que humanos agem sempre suprindo um estado de insatisfação por um estado mais confortável.
1.3- Ação como sendo apenas ação humana
Os únicos seres capazes de agir (como sendo ação racional/propositada) são aqueles não rendidos por instintos, e sim, dotados única e exclusivamente de razão, como os únicos seres com tais características são os humanos, só os humanos agem. Mesmo os animais mais inteligentes, como os golfinhos, cachorros e algumas espécies de primatas, não agem como os humanos, já que ainda possuem instintos onde eles ficam submetidos, dessa forma, eles, embora animais mais inteligentes que outros, ainda não são racionais por justamente terem suas “ações” submetidos aos instintos. Então, a razão do Homem submete os instintos à ação, tornando toda ação dele propositada, diferente de um animal não racional, pois, como ele não possui a razão, são seus instintos que submetem a ação e não ao contrário.
Alguém poderia até argumentar que o Homem ainda possui um instinto de sobrevivência e sentimentos, que não o tornam um ser totalmente racional. Mas, ora, o Homem, embora possa ter um instinto de sobrevivência e sentimentos, possui a preferência em seguir seus sentimentos ou seguir outra coisa que vá além deles, o Homem, em vez de preferir seguir seus instintos de sobrevivência, pode simplesmente se abster deles e querer morrer por falta de recursos que garantam sua subsistência, ou morrer em prol de outra coisa que ele dê mais valor do que sua própria vida. Em todo caso, o Homem até pode possuir impulsos instintivos, sentimentos, sobrevivência ou até mesmo impulsos sexuais, mas, em todo caso, ele pode escolher em seguir tais instintos ou se abster deles conforme o que lhe mais convém, diferente de um animal que não tem poder para se abster daquilo que está pré escrito em sua natureza.
Um ser divino e onipotente, como Deus, também não age. A praxeologia é uma estrutura metafísica, Deus, em sua onipotência, não está submetido a ela, pois uma estrutura metafisica submete aquilo que é físico, Deus não seria físico, portanto, não estaria submetido nela. Ele poderia simplesmente suprir todas as suas insatisfações insanamente sem precisar agir, sem precisar usar meios e Ele poderia simplesmente mudar o comportamento da estrutura praxeológica. Ou seja, a onipotência de Deus faz com que Ele vá além de toda a praxeologia ou qualquer outra estrutura metafísica lógica que compõe nossa realidade, o que é contra intuitivo para nós que estamos submetidos a essas estruturas, de todo modo, Deus não age pois não é humano.
1.4- A praxeologia como uma suposta pseudociência
Muitos críticos argumentam que a praxeologia não funciona como ciência para análises econômicas por ser totalmente apriorística, mas acontece que essa crítica é um espantalho ao Mises. Mises usa o método praxeológico apenas para entender a estrutura por trás das ações do Homem dentro da economia e como tais ações individuais se relacionam entre si. Mises não descarta de forma alguma a análise empírica dos fatores psicológicos, morais, culturais, etc. que incentivam as ações dos indivíduos dentro da economia. Porém, tais análises ficam a estudo da psicologia, a praxeologia só tem como objetivo entender a estrutura “lógica” por trás dos fenômenos econômicos e o porquê deles serem o que são.
2- A economia na perspectiva praxeológica
2.1- O que é economia e o problema epistemológico de sua fundamentação
A economia é o estudo da alocação e produção de recursos, uma ciência que busca entender como a riqueza é gerada e alocada numa sociedade. Vários economistas de diferentes escolas tentam explicar os fenômenos econômicos com suas próprias teorias. A praxeologia, sendo o estudo da ação humana, tenta entender os fenômenos econômicos e deduzi-los partindo do princípio de que o Homem só age buscando suprir um estado de insatisfação, e que essa seria a motivação para que os fenômenos econômicos ocorram.
Mises havia desenvolvido o método praxeológico nas análises econômicas pois há um grave problema no método puramente indutivo nessas análises. Se for tomar como base somente a experiência passada para compreender os fenômenos econômicos, tal experiência não garante que os fenômenos futuros irão se comportar da mesma maneira, esse é um grave problema epistemológico na hora de fundamentar qualquer teoria econômica partindo da indução. Os acontecimentos empíricos não têm uma real universalidade e muito menos uma necessidade apodítica, os fenômenos empíricos só têm uma universalidade comparativa, em que, por pura indução, você gera uma crença que todos os fenômenos econômicos se comportarão daquela forma que você observou em particular, o que é errado, um caso ou alguns casos observados em particular não dizem respeito a todos os casos existentes ou os casos que virão a existir. Assim, para explicar a universalidade e, por consequência, a necessidade apodítica da forma como tais fenômenos ocorrem, é preciso de uma estrutura metafísica que explique o comportamento e o sentido por trás desses fenômenos, como o comportamento desses fenômenos está fundamentado na própria ação do Homem, não há nada mais justo do que compreender a forma como ele age para entendê-los.
2.2- A origem da economia numa perspectiva praxeológica; Capitalismo, Livre Mercado e Propriedade como ordens espontâneas
Para entender a origem da economia, é necessário entender que a economia não é formada por um coletivo ou um conjunto de coletivos interagindo entre si, como muitos pensam. A economia é formada por indivíduos e somente indivíduos. Há pessoas que pensam que a economia está dividida em classes sociais, como numa hierarquia, onde há o proletário, o burguês e o político, ou dividida em homens brancos, mulheres, negros, ricos, pobres, etc., mas não. A economia está dividida em indivíduos, está dividida no dono do mercado, no caixa que trabalha nesse mercado, no dono da padaria, na garçonete de um restaurante, no faxineiro da Microsoft e assim vai. A economia não está dividida em classes sociais pois essas classes não agem. Apenas indivíduos agem. Essas classes sociais só são classificações para distinguir raças, sexos, religiões, minorias e afins. Com isso em mente, fica claro que a economia não passa a existir no momento em que as classes sociais surgem, e sim, a partir do momento que o indivíduo surge.
2.2.1- Capitalismo, a origem da produção de recursos
O estado de natureza do Homem é sempre a pobreza, a pobreza é a falta de recursos para subsistência humana, a falta de meios para suprir a fome, a sede, o frio e as demais necessidades naturais. Esse estado só pode ser suprido se, e somente se, o Homem buscar os recursos para sua subsistência na própria natureza, do contrário, pelas suas próprias limitações físicas, ele morreria. Dessa forma, os únicos homens que prosperam são aqueles que sentem a necessidade de se abster de seu estado de natureza.
Com isso em mente, imagine a seguinte situação: dois indivíduos que sentem a necessidade de conseguir recursos para sua subsistência, ambos pretendem caçar, pescar, coletar frutas nas árvores e beber em fontes d’água, tudo isso para suprir suas necessidades naturais, mas, com uma diferença, enquanto um sempre usa ferramentas para conseguir tais recursos (redes de pesca, lanças, cordas, armadilhas, etc.) o outro utiliza de suas próprias mãos e força física e somente isso. A pergunta é: qual dos indivíduos irá prosperar? Tendo em vista que essas ferramentas servem justamente para se alcançar esses bens, é evidente que o indivíduo que as use é quem irá prosperar na conquista desses recursos. Assim, se o outro indivíduo quiser prosperar tanto quanto seu concorrente, a única forma de fazer isso, o único meio possível, seria através dessas ferramentas.
Os bens utilizados para suprir as necessidades humanas (sejam necessidades de subsistência ou necessidades de mero conforto) são os bens de consumo, bens utilizados para suprir um desejo humano. Já as ferramentas utilizadas para conseguir tais bens de consumo são os bens de capital, bens onde é necessário se abster do consumo e poupar recursos para consegui-los, ora, um homem não consegue uma rede de pesca comendo peixe ou uma lança comendo carne de algum animal, é necessário poupar recursos e dispender trabalho para conseguir tais bens, ou seja, tais bens são bens de produção ou bens de capital. Se um indivíduo quiser sobreviver, é inevitável o uso dos bens de capital para sua sobrevivência, do contrário, a conquista sobre os bens de consumo seria praticamente impossível. Os bens de capital, por sua vez, surgem e são garantidos num vínculo de propriedade com o determinado bem, onde o indivíduo usa o bem (agregando a ele suas ações, seu trabalho), o delimita (delimita até onde vai sua propriedade, ou seja, quais são os bens onde foi agregado suas ações) e o defende (se é de interesse do indivíduo ter aquele bem como de uso exclusivo dele, então, ele irá garantir o máximo possível que não seja de mais ninguém ou seja de quem ele permite usar). Mesmo que um determinado bem de capital seja roubado, esse bem de capital só surgiu porque antes houve um vínculo de propriedade com esse bem. Com a propriedade de meios com a finalidade em produzir bens de consumo (a propriedade de bens de capital), é originado o capitalismo. O capitalismo é justamente isso, a propriedade privada de bens de capital, sendo um sistema econômico que surge espontaneamente numa sociedade (um conjunto de indivíduos) que necessita consumir, onde os indivíduos tendem a ter um vínculo de propriedade (uso, delimitação e defesa) dos bens de capital. O consumo não existe sem os bens de produção; como seria possível conseguir os peixes sem a rede de pesca? Caçar um animal sem uma lança? Se um Homem consome um certo bem é porque antes ele necessitou poupar bens de capital para conseguir produzir ou coletar esse tal bem de consumo, se ele não poupou nada para conseguir aquele bem de consumo, isso quer dizer que outro Homem necessitou poupar para conseguir ou produzir aquele produto. Os bens de capital, assim como o capitalismo, são uma ordem espontânea na sociedade.
Formalizando o argumento:
1- O estado de natureza, onde falta subsistência humana, só pode ser suprido se, e somente se, há bens de capital; (premissa)
2- Se o Homem não busca sair do estado de natureza, então ele não busca bens de capital, porém, ele sucumbe e não prospera; (premissa)
3- Se o Homem quer suprir o estado de natureza, então, ele terá de ter bens de capital e irá prosperar e não sucumbir; (premissa)
4- Bens de capital só existem se, e somente se, são garantidos e produzidos num vinculo de propriedade; (premissa)
5- Capitalismo é propriedade privada sobre os bens de capital; (premissa)
6- Se é o caso o Homem necessita sair de seu estado de natureza, então ele só faz isso através do capitalismo; (de: 3, 4, 5)
7- Se algo surge para tirar o Homem de seu estado de natureza e não os fazer sucumbir, então esse algo é natural e espontâneo entre os homens; (premissa)
8- Os únicos homens que não sucumbem e saem de seu estado de natureza são aqueles com mentalidade capitalista; (de 6)
9- O capitalismo algo natural e espontâneo entre esses homens; (de 6, 7)
Essas premissas são justificadas pela própria praxeologia, enquanto a vontade do Homem for sair de seu estado de natureza, ele irá suprir tal vontade, e como o único modo de suprir tal vontade é através da propriedade privada sobre bens de capital, ele irá usar tais meios para conseguir seus fins. Essa dedução assume implícitamente certos fatores empíricos.
2.2.2- Livre Mercado e propriedade privada
A propriedade privada, o uso, a delimitação e a defesa, também surge como ordem espontânea, pois ela é o interesse que um indivíduo tem em proteger e usar seus recursos — sendo esses recursos os bens de consumo ou os bens de capital –, já a delimitação do uso desses recursos, sendo a delimitação até onde vai as ações agregadas em certos bens (por exemplo, se eu agreguei minhas ações nos bens a, b e c, esses bens são meus e minha propriedade se delimita aí). Porém, a propriedade privada não surge somente no interesse de um indivíduo em usar e proteger seus bens, ela também surge no que chamamos de relação de mercado ou relação de troca. Essa relação seria aquela na qual um indivíduo troca seus bens pelos bens de um outro indivíduo, ou seja, uma troca voluntária. Para entender a relação de mercado, imagine essa possibilidade: uma ilha onde lá habitam João e Pedro, dois homens que querem sobreviver lá. Ambos têm seus próprios bens de capital e seus bens de consumo provindos desses bens de capital. Porém, João quer peixes, e o meio mais fácil de consegui-los seria pegando os peixes de Pedro, pois, se fosse para pesca-los, demoraria muito mais. Mas há um problema, se João pegar os peixes sem o consentimento de Pedro, como Pedro quer aqueles peixes como posse exclusiva dele, os dois iriam brigar e competir pelos peixes até que um vença, porém tal situação é muito indesejável, pois essa briga traria muitos malefícios, como a morte de um dos dois ou ferimentos, perda de confiança mútua, futuros conflitos, etc. Então pegar os peixes sem o consentimento de Pedro não é o caminho mais viável (embora seja uma possibilidade). Todavia, não necessariamente João tem de abandonar totalmente a hipótese de conseguir os peixes de Pedro, ele pode trocar um bem dele pelos peixes já conquistados: no nosso exemplo, imagine que Pedro necessite de uma garrafa para armazenar água, já o João necessite de peixes para comer (como foi ilustrado antes). João pode simplesmente oferecer sua garrafa de água a Pedro e pedir os peixes em troca, essa seria a troca de mercado — claro, isso é só uma situação hipotética de escambo, há milhares de possibilidades de como uma troca dessas pode ocorrer, não pode ser simplesmente uma troca de produtos, pode ser uma troca de produto por algum serviço ou uma venda a crédito. Uma troca de mercado ocorre com o respeito de propriedade privada mútuo, pois, uma troca voluntária é, por definição, uma troca consentida, se numa troca não há consenso (sendo o consenso o respeito à propriedade que os indivíduos têm sob seus bens), essa troca não é voluntária, ela não é uma relação de mercado. Ou seja, a propriedade não surge somente com o desejo dos indivíduos em querer garantir seus próprios bens, ela também surge pelo próprio desejo dos indivíduos em querer trocar seus bens pacificamente.
Porém, a defesa pessoal aos seus bens e as relações de mercado não são meios suficientes para que a propriedade privada sobre os bens seja garantida, ora, pode haver situações onde um indivíduo roubou os bens de outro e, exercendo a força, fez com que esses bens roubados fossem garantidos a ele, impedindo que o dono original e outras pessoas tenham posse sob esses determinados bens roubados. Outra situação seria aquela na qual um indivíduo rouba um determinado bem e vende para outro, nessa situação, embora tenha ocorrido uma relação de mercado com o respeito mútuo, um dos bens trocados não era realmente do comerciante, ou seja, essa relação de mercado não garantiu o respeito de propriedade (mesmo que não tenha sido intenção de quem comprou o bem roubado). Nesse empasse, seria necessário a resolução de conflitos para que as relações de mercado e o uso exclusivo dos produtores sob seus bens sejam garantidos. Com a necessidade de haver um sistema que garanta a propriedade privada dos indivíduos e puna quem a viole, os indivíduos poderiam fazer justiça com suas próprias mãos, reconquistando à força seus bens (já que é de interesse deles proteger e garantir sua propriedade) ou os indivíduos contratariam outros indivíduos para fazer tais ações (onde esses, os que executam a tarefa de punir e restituir bens, seriam indivíduos que vendem tais ações como um serviço de punição e justiça). Em todo caso, enquanto a propriedade privada for uma necessidade dos indivíduos, eles terão ela como regra básica para sua convivência, seja garantindo-a e punindo seus violadores com suas próprias mãos, ou seja, contratando outros indivíduos para executar tal tarefa.
Pela própria praxeologia, é inevitável que as ações dos Homens tenham como objetivo suprir a insatisfação, se a insatisfação for a falta de segurança para a propriedade, de um jeito ou de outro, eles suprirão tal insatisfação.
2.3- O valor como mera preferência subjetiva e preços
2.3.1- O valor
Um pensamento que parece ser bastante comum e intuitivo é o de que o valor de um bem material está contido intrinsecamente no determinado bem. Todavia, dentro da praxeologia, o valor é subjetivo, ele surge numa relação de preferência que um indivíduo tem entre A e B. Se eu fui no mercado e preferi comprar chicletes em vez de balas, mesmo que elas tenham o mesmo preço, isso quer dizer que o valor que atribuí aos chicletes é maior que o valor que atribuí às balas. Da mesma forma que se eu for na padaria e comprar X unidades de pão por X unidades de moeda, o valor que eu atribuí aos pães é maior que o valor que atribuí às moedas, não só isso, o padeiro que vendeu os pães atribuiu às moedas um valor maior do que aos pães. Em outras palavras, uma relação de troca voluntária só ocorre se o vendedor atribui ao bem que ele recebe um valor maior do que o bem que ele e vende, e o comprador atribui um valor maior ao bem que ele compra do que o bem que ele entrega e vice-versa. O valor, a preferência ente A à B, não necessariamente tem que ser entre dois bens materiais diferentes, ela pode ser entre um estado e outro, um estado e um bem material, entre diversos bens de capital e um bem final, etc. Por exemplo, se eu preferi me abster de um bem material meu para atingir um determinado estado, quer dizer que eu atribuo um valor maior ao estado em que quero me encontrar e vice-versa; se eu me abster de um estado para alcançar outro, o estado que quero alcançar tem um valor maior para mim do que o outro; no caso em que eu uso bens de capital para atingir um bem de consumo, o bem de consumo vale mais do que aqueles bens de capital — por exemplo, se eu juntei diversos ingredientes para fabricar um bolo, os ingredientes, sendo os bens de capital, tem um valor menor do que o produto final que é o bolo, um bem de consumo;
Em todo caso, se houve preferência de A à B, houve uma ação, tal ação se segue da estrutura praxeológica, se eu preferi A à B, B é o estado de desconforto e A é o estado mais confortável.
2.3.2- Os preços
Os preços são o valor de um bem expressos em forma contábil, sendo eles uma forma de expressar um valor de um bem no mercado, por exemplo, se um comerciante quer trocar um burro por cinco galinhas, as galinhas são o preço do burro, ou seja, o valor expresso em forma contábil (uma forma do comerciante expressar que atribuí um valor maior às galinhas do que ao burro e que trocá-lo por elas). Os preços também podem ser expressos em forma de moeda, mas, tratarei da moeda na seção seguinte.
2.4.2- A água e o diamante, utilidade marginal
Há algo um tanto quanto estranho na economia, que é o fato de certos bens materiais não terem utilidade essencial, como o “diamante”, e mesmo assim, terem um valor atribuído maior do que um bem essencial, como a “água”. Consequente, se esses bens tiverem um valor atribuído maior, dentro do mercado, esse valor será expresso em forma de preço, sendo ele muito maior do que os preços de produtos essenciais. Como esse fenômeno pode ser explicado? Ora, no caso da água e do diamante, a água, embora essencial para a vida humana, tem um valor menor que o diamante pois ela está em bem mais abundância do que ele, o diamante é bem mais raro, são necessárias semanas ou até meses de trabalho para conseguir uma quantidade relativamente pequena, enquanto no caso da água só algumas horas de trabalho são necessárias para consegui-la. Se você prestou atenção até aqui, vai entender que se eu preferir dispender algumas horas de trabalho e alguns bens de capital para conseguir um determinado produto, isso quer dizer que eu atribuí um valor maior ao produto do que as horas de trabalho e os custos de produção (bens de capital). Da mesma forma que se eu dispender meses de trabalho e diversos bens de capital para conseguir aquele produto, isso quer dizer que eu atribuo um valor maior ao produto do que aqueles meses que eu gastei e aqueles diversos bens de capital que usei. Se eu atribuí um grande valor a esses bens, o valor expresso no mercado também será alto (por ser maior que o valor que atribuí ao próprio produto).
Podemos dizer que é o valor que determina o quanto eu irei trabalhar e dispender meios para conseguir o produto. Numa situação em que eu escolhi não usar meus meios e meu tempo para encontrar diamantes, isso quer dizer que eu atribuí um valor maior ao meu tempo e aos meus meios do que ao diamante, e vice-versa.
2.4- A moeda, relação oferta e demanda, os preços de mercado
2.4.1- A moeda
Em um mercado de escambo, certas trocas se tornam muito difíceis, como, por exemplo, numa situação em que o ofertante oferece um burro por cinco galinhas, porém, o comprador só possui quatro galinhas, impossibilitando a troca (já que o burro não pode ser “picado” em partes menores para que ocorra a troca). Assim, é necessário um bem de troca que possa representar o valor do produto em forma contábil, esse bem seria a moeda. Qualquer coisa pode ser uma moeda, contanto que seja algo fácil de transportar e aceito entre os vendedores e compradores. O sal, o milho, o arroz e o feijão, por exemplo, podem ser moedas, pois são fáceis de transportar, contanto que eles sejam aceitos pelos vendedores. Pela própria necessidade do Homem em precisar facilitar as transações, a criação de uma moeda se torna inevitável. Agora, em vez do comerciante ofertar seu burro por cinco galinhas, ele irá ofertá-lo por cinco quilos de milho, onde esse milho poderá ser usado para comprar as galinhas desejadas com outro comerciante.
Antes as trocas ocorriam de forma direta, onde um comerciante ofertava e trocava seu burro diretamente pelas galinhas desejadas, agora, com a moeda, as trocas ocorrem de forma indireta, ele não oferta e troca seu burro diretamente pelas galinhas, ele oferta o burro por X unidades de moeda, onde essas moedas serão usadas para conseguir as galinhas.
2.4.2- Os preços de mercado, a oferta e demanda
O objetivo do comprador (do consumidor) é sempre comprar o máximo possível gastando o mínimo que puder, pois, se do contrário, os gastos feitos para conseguir os produtos comprados levariam o comprador a um desconforto, onde ele ficou sem meios para gastar com outras necessidades futuras. Ou, se for o caso que ele não comprou o máximo possível, a baixa quantidade de produtos comprados poderia vir a não suprir estados de desconforto futuros, que é algo que o consumidor quer evitar. Assim, para se prevenir desses futuros desconfortos, o consumidor sempre tenta gastar menos possível pela maior quantidade de produtos que puder, i.e., atribuir à determinadas quantidades de um produto um valor menor do que os gastos para conseguir essa determinada quantidade — claro, pode haver situações onde houve uma margem de erro da ação, em que o consumidor achou que gastou sabiamente, porém, futuramente, aqueles gastos trouxeram desconforto. Da mesma forma que o consumidor tenta gastar o menos possível pela maior quantidade que puder comprar, o vendedor tenta vender o máximo possível pela maior quantidade que puder. Ora, se o vendedor quer lucrar, evitar prejuízos presentes e futuros (sendo o prejuízo o estado onde as vendas não supriram os gastos, que traz um estado de mais desconforto que o estado original), é necessário que ele aumente o preço ao máximo que puder para poder evitar ao máximo o prejuízo (prejuízo presente e futuro), todavia, ele não pode aumentar o preço demais, pois, se isso for feito, ele não conseguiria vender os produtos pois os consumidores não comprariam o produto por falta de dinheiro ou por não acharem que os custos valem o produto. Se um produto que está parado, i.e., não está sendo vendido, não gera lucro, então, tal produto não estaria suprindo os gastos e gerando prejuízo. Então o vendedor só pode evitar prejuízo se vender o máximo possível pelo maior preço que puder — de novo, pode haver uma margem de erro na ação do vendedor, onde ele achou ter tomado as decisões corretas e, no final, acabou sofrendo prejuízos, ou seja, sua ação não supriu a insatisfação.
Os preços surgem justamente nessa relação, seria como um “cabo de guerra” entre os vendedores e os consumidores, onde um, por um lado, tenta vender a maior quantidade possível de produtos pelos preços mais altos que puder, já o outro, por outro lado, quer comprar a maior quantidade possível pelo menor preço ofertado. Nesse cabo de guerra, sempre que a demanda pelo produto fica baixa, os vendedores terão de baixar os preços para que possam vender seus produtos o máximo que conseguir, pois, se o preço continuar muito alto, os consumidores não terão interesse em comprar os produtos, gerando mercadorias paradas que não se traduzem em lucro. Dessa forma, se o vendedor quiser ter seu lucro, necessariamente ele terá de baixar os preços. Da mesma forma que o vendedor baixa os preços quando a demanda está baixa, o vendedor aumenta os preços quando a demanda está alta, pois, se o objetivo dele é vender pelo maior preço possível, ele irá aumentar os preços para possa lucrar sob essa demanda alta (sem aumentar em níveis extremamente absurdos, para que ele não perca a demanda). Assim, é gerado um equilíbrio entre a oferta e demanda, onde os vendedores colocam o preço ideal para que tenham demanda (pessoas comprando o produto por aquele preço), evitando mercadorias paradas, e tenham, ao mesmo tempo, um ganho que possa suprir os gastos de produção daquele produto.
Nesse cabo de guerra, se a demanda está muito grande, maior até que a oferta, o preço aumenta. Se a demanda está muito pequena, ou até menor que a oferta, o preço desce.
2.5- O cálculo econômico
Com os preços de mercado formados, os vendedores capitalistas sabem onde podem vender (alocar) suas mercadorias, no caso, para as regiões onde o preço daquela mercadoria é mais alto, pois lá é onde eles têm mais chances de suprir os custos de produção e evitar prejuízos. Com o capitalista alocando suas mercadorias nas áreas onde o preço do produto é maior, ele está consultando o cálculo econômico. O cálculo econômico nada mais é do que uma consulta que o capitalista faz nos preços de mercado para saber onde ele vai ter mais lucro com a venda de suas mercadorias (ou seja, onde as pessoas mais compram e mais pagam pelo produto). Sobretudo, sem o capitalista saber, quando ele consulta o cálculo econômico para vender suas mercadorias, ele está alocando suas mercadorias para as áreas que mais necessitam do produto: ora, se os consumidores demandam mais pelos produtos que mais necessitam, as áreas que mais necessitam desse produto terão a maior demanda; com a demanda mais alta, os preços daquela área sobem; com o preço daquela área mais alto, os capitalistas irão vender seus produtos para lá, pois é onde ele terão maior retorno. Dessa forma, se uma área está precisando de um produto, o mercado dá conta de alocar esse produto para lá, só com o egoísmo dos capitalistas em querer lucrar.
O cálculo econômico também serve para os capitalistas saberem quais produtos produzirem, e não só onde alocar os seus produtos. Se o capitalista tem que escolher entre produzir feijão ou arroz — i.e., investir seus recursos em A ou B –, ele irá produzir o que tem maior preço no mercado para que possa evitar o máximo possível o prejuízo presente e futuro. Se o capitalista tem que escolher entre fabricar pregos ou parafusos, ele irá produzir o que mais lhe trará dinheiro, para que possa evitar ao máximo possível o prejuízo. Claro, pode haver situações onde o capitalista, por preferências pessoais, escolheu produzir algo que não lhe traria tantos ganhos quanto outro produto, ou ele pode alocar suas mercadorias para uma região que não lhe traria tantos ganhos quanto outra. É nessas situações que ocorre a seleção natural do livre mercado, onde quem mal aloca suas mercadorias terá menos ganhos que quem melhor aloca (podendo até ir à falência), assim, os que melhor alocam as mercadorias são os que prosperam no livre mercado.
Numa sociedade capitalista de livre mercado, os recursos sempre são alocados conforme as necessidades dos consumidores, isso ocorre justamente pelo egoísmo dos capitalistas, um egoísmo que só pode ser saciado se houver a cooperação dos capitalistas com os consumidores.
A lei do cálculo econômico pode ser formalizada da seguinte forma:
1- O capitalista deve evitar os prejuízos o máximo possível se quiser prosperar no mercado; (premissa)
2- O capitalista só evita os prejuízos o máximo possível se, e somente se ele investir seus recursos nas mercadorias que lhe dão mais lucro e alocar suas mercadorias nas regiões que mais pagam por aquelas mercadorias; (premissa)
3- Se é o caso em que um capitalista não investe seus recursos nas mercadorias mais caras e aloca suas mercadorias nas regiões com menos ganho, então ele não evita os prejuízos o máximo possível, o que não o faz prosperar no mercado; (de 2)
4- Os capitalistas, para prosperar no mercado, investem seus recursos nas mercadorias com maior preço e alocam suas mercadorias para as áreas que pagam mais por aquelas mercadorias; (de 1, 2)
Essa dedução se segue logicamente da praxeologia, onde a insatisfação do capitalista era o prejuízo e os únicos meios para evitar tal insatisfação eram investir os recursos nas mercadorias de maior preço e alocar essas mercadorias para as regiões onde a mercadoria era mais cara, como foi demonstrado pouco antes. Todavia, se você prestou atenção até aqui, as premissas dessa dedução também partem da praxeologia, pois, como já foi explicado, se há uma necessidade maior em uma mercadoria em especifico, a demanda por aquela mercadoria será maior, se numa região há tal necessidade maior, a demanda por aquela mercadoria será maior naquela região. Com a demanda maior, o preço sobe, e assim se segue as premissas dessa dedução, onde o capitalista só evita os prejuízos o máximo possível e prospera no mercado se suprir as necessidades da demanda.
2.6- O cálculo econômico sob o socialismo
A teoria do cálculo econômico foi desenvolvida originalmente por Ludwig Von Mises para ser uma crítica ao socialismo. Mises apontou que no socialismo, por não existir livre mercado e toda a economia ser planificada, não existiria preços, sem os preços de mercado, os produtores não saberiam o que produzir e onde alocar, ou seja, a produção no socialismo seria caótica, não atenderia as necessidades humanas da população.
No socialismo, os meios de produção (os bens de capital) seriam coletivizados entre os trabalhadores pelo Estado, o Estado é quem decidiria o que seria produzido e onde as mercadorias seriam alocadas, sobretudo, toda essa decisão seria arbitrária: ora, no capitalismo, por exemplo, uma empresa só fabrica mais parafusos do que pregos pois os parafusos tem um maior preço de mercado e vice-versa; uma empresa só aloca suas mercadorias para uma determinada região pois lá o preço da mercadoria é maior. Agora, no socialismo, os burocratas seriam os que decidem os preços de forma arbitrária, ele determinaria se o tomate é mais caro que a batata, se parafusos são mais caros ou mais baratos que pregos, se é mais vantajoso construir uma rodovia para caminhões ou uma ferrovia para trens (o que melhor pode transportar os produtos de forma mais barata). No socialismo, como os preços são arbitrários, não há lucros ou perdas, os burocratas não vão saber se produzir carros é mais barato ou mais caro do que contratar pessoas para fazer trabalho humano, eles não vão saber se é mais barato e mais vantajoso construir uma ponte para ligar dois lugares diferentes ou se é mais vantajoso construir uma escola para alunos estudarem.
Como nós havíamos visto, os empresários sabem o que produzir pois são capazes de calcular seus prejuízos e lucros, se eu for construir uma ferrovia em vez de uma rodovia, isso se deve ao fato de que irá me trazer mais lucro e suprir os custos de produção, eu não preciso produzir cada insumo para fazer minha rodovia, eu vou simplesmente comprar os insumos que já tem seus preços no mercado, eu sei que se a minha ferrovia não suprir os custos de produção, eu terei prejuízos. Coisa que não acontece no socialismo, o Estado seria quem decide o preço de cada insumo para construir uma ferrovia, ele não saberia se é mais vantajoso construí-la ou fazer uma rodovia, ou criar uma nova planta de ferro.
A produção no socialismo, por não ter preços de mercado, vira uma produção caótica, os burocratas não sabem onde vender mais tomate, onde vender mais água, se fazem mais sacos de farinha para fabricar pão ou sacos de concreto para construir casas, etc. Os recursos não são produzidos e alocados de forma racional.
O problema do cálculo econômico pode ser formalizado da seguinte forma:
1- Preços só se formam no mercado; (premissa)
2- As mercadorias só são alocadas e produzidas racionalmente se, e somente se há preços; (premissa)
3- No socialismo não há mercado (premissa)
4- No socialismo não há preços; (de 1, 3)
5- No socialismo as mercadorias não são alocadas e produzidas de maneira racional; (de 2, 4)
2.7- Divisão do trabalho
Agora, imagine a seguinte situação: você quer comer um hambúrguer, com presunto, carne, queijo, pão e batata palha. Nessa situação, o que você pensaria em fazer é ir numa lanchonete e pagar para comer esse hambúrguer. Mas, imagine se você mesmo tivesse que fazer esse hambúrguer, você mesmo teria de fabricar o pão — conseguindo semente para fazer o trigo e o converter em farinha –, caçar o gado na natureza para conseguir a carne e extrair o leite para fazer o queijo, etc. Seria necessário muito trabalho para só uma pessoa fazer um hambúrguer.
Nesse impasse, torna-se necessário a divisão do trabalho, onde cada indivíduo cuida de uma determinada tarefa onde se especializa: um fabrica o pão, outro cuida do gado para fazer a carne e o queijo, outro indivíduo planta a batata para fazer a batata palha, etc. Dentro de cada setor de produção para fazer os ingredientes do hambúrguer, pode haver uma subdivisão, onde, por exemplo, na fabricação de pão, um planta o trigo, outro colhe, outro transforma em farinha, outro une a farinha com outro ingredientes — também feitos na divisão de trabalho — para finalmente ter o pão. Assim, na fabricação de algo tão simples, há uma cadeia de diversos indivíduos e muitos insumos envolvidos, tudo numa relação de divisão de trabalho.
A divisão do trabalho é a cooperação de indivíduos, porém, embora seja uma cooperação social, ela não é um fenômeno coletivista, e sim, um fenômeno econômico formado por diversos indivíduos com seus próprios interesses, o vendedor de pão não está fazendo um favor para a lanchonete que irá usar esse pão para fabricar o hambúrguer, o vendedor de pão só está vendendo o pão pois isso é vantajoso para ele mesmo. Nenhum dos indivíduos presentes na divisão do trabalho está pensando num suposto bem maior (a produção de alimentos, por exemplo), os indivíduos presentes na cooperação social simplesmente veem ela como um meio para se atingir seus próprios fins e nada mais. Com a divisão do trabalho, as sociedades se formam, onde há vários indivíduos unindo forças para atingir seus fins, ou seja, a sociedade é um mero meio pelo qual os indivíduos usam para atingir seus fins e nada mais.
A divisão do trabalho não precisa ser nada muito complexo como a cadeia de produção de algum alimento ou a cadeia de produção de um carro, ela pode ser simples como uma dona de casa contratando uma faxineira limpar sua casa, assim, podendo gastar seu tempo em outros afazeres.
3- A inutilidade do Estado
3.1- O Estado
O Estado é uma agência coercitiva com o monopólio da força sobre um determinado território. Em boa parte do mundo, existe algum Estado usando da coerção para recolher impostos dos indivíduos que moram lá, sendo que esses impostos seriam supostamente usados para prover serviços supostamente gratuitos, públicos e de qualidade.
O Estado surgiu originalmente sustentou-se por questões religiosas e de monopólio do conhecimento, no Antigo Egito, por exemplo, os faraós eram tratados como deuses vivos, eles e seus aliados possuíam o controle de todo conhecimento matemático e religioso da época, sendo que eles, usando de seus exércitos, usavam o povo para conseguir impostos e escravos para construir monumentos¹. O estado, por milênios, teve controle do conhecimento e da religião, com esse controle, o Estado foi capaz de manipular indivíduos para que os servissem e perseguisse aqueles que se revoltavam, a posse do conhecimento que o Estado tinha o possibilitou coagir todo seu povo. Se você controla o conhecimento, você controla todo o resto.
Após milênios, o Estado perdeu o controle das massas pois ele não tinha mais o monopólio da informação e da religião, assim, ele teve que criar novos métodos para continuar existindo. Hoje em dia, muitas pessoas ainda acham o Estado necessário pois ele fornece serviços essenciais que só ele poderia fornecer. Outras pessoas vão além alegando que ele não é só essencial para prover esses serviços, mas também para controlar a economia (que supostamente iria ao caos sem ele) e também preservar aspectos morais da sociedade. Mas, será mesmo? É o que iremos descobrir nessa seção.
1-NOTA DE ESCRITOR: Citei o Antigo Egito pois ele é o melhor exemplo que se tem de controle estatal usando do monopólio da informação e da religião — sendo o Antigo Egito uma das mais antigas agências estatais –, mas praticamente todas as civilizações mais antigas (da Idade Média para baixo) eram civilizações com uma agência estatal com a posse de todo o conhecimento e de toda religião.
3.2- O perigo do Estado para a economia
Atualmente, as pessoas tendem a acreditar que o Estado tem um papel importante na economia, onde ele protegeria o consumidor de preços abusivos, recolheria impostos para fornecer produtos e serviços para os mais pobres, impediria que a economia entrasse em colapso, etc. Esse tipo de pensamento é bastante comum, porém, a realidade é outra.
A existência do Estado é a maior ameaça iminente à economia, seus impostos e suas burocracias atrapalham o funcionamento natural do mercado e do capitalismo. Os impostos estatais dificultam o desenvolvimento dos indivíduos dentro da sociedade, para se comprar qualquer produto ou serviço é necessário, agora, dar parte de seu dinheiro ao Estado. Isso é extremamente ruim, pois, se você for abrir um mercado, você não vai ter mais que se preocupar só com as despesas de seu mercado, você agora vai ter que se preocupar com as despesas e com os impostos que você deve dar ao Estado. Os impostos, além de diminuir a margem de lucro de um comerciante, aumenta os custos das despesas, ou seja, agora suas despesas são muito mais caras e suas margens de lucro são menores. Os impostos, por modificarem os preços dos produtos, afetam no cálculo econômico, desincentivando a produção e trazendo mais escassez.
Os impostos estatais também colaboram para a pobreza, ora, um pequeno empreendedor que quer sair de sua situação de miséria vendendo doces na rua tem que dar parte de seus lucros para o governo caso queira continuar no mercado, do contrário, ele seria punido pelo Estado. Os custos para fabricar os doces também aumentam pelo mesmo motivo, ou seja, o mais miserável tem maiores dificuldades em sair de seu Estado de miséria graças a existência do Estado (com o encarecimento de produtos e os impostos aplicados sobre ele).
Até agora só foi citado os impostos, mas há também diversas burocracias sobre o mercado que dificultam a produção. Os tais “direitos trabalhistas” são um ótimo exemplo de burocracia enfrentada pelo mercado, colocar um preço mínimo para contratar funcionários cria um desincentivo para pequenos empreendedores produzirem (pois o custo dos funcionários é maior que os lucros). Com a falta de empreendedores gerando emprego, os jovens sem experiência têm dificuldades em achar emprego, ou seja, o salário mínimo prejudica os trabalhadores também.
Some as burocracias que o Estado cria com os impostos e você tem a receita perfeita para diminuir a produção e tornar a economia ineficiente.
3.3- As crises econômicas e o Estado; ciclos econômicos
Muitos economistas defendem uma participação do Estado na economia, onde ele teria o papel fundamental de intervir na economia de alguma forma para impedir que as crises econômicas sejam geradas. Keynesianos, por exemplo, defendem que o Estado deve incentivar o consumo injetando dinheiro de forma artificial na economia, essa injeção artificial faz uma diminuição artificial dos juros, gerando mais empréstimos. Isso parece até uma coisa boa, porém, injetar dinheiro na economia para incentivar o consumo não aumenta a produção em nada, se houver um aumento da quantidade de moedas na economia, mas a quantidade de produtos e serviços não mudar, a moeda perde seu valor. A inflação é um risco pois se você tiver dinheiro guardado e, por ventura, aquela moeda que você usa inflacionar, o dinheiro que você tinha guardado perde valor, ou seja, seu poder de compra diminui. A moeda inflaciona, pois, quando os consumidores possuem mais dinheiro, eles passam a demandar mais pelos serviços e produtos, porém, como a quantidade desses não aumentou dentro da economia, eles tendem a ficar mais caros devido ao fato da demanda ficar maior que a oferta já existente. Com produtos mais caros, menor o poder de compra dos consumidores e mais desvalorizada é a moeda. Incentivar o consumo não gera riquezas na sociedade, se o Estado quiser colaborar em algo na economia, ele deve incentivar a produção, e a única forma dele incentivar a produção é não intervindo nela.
Ora, o próprio mercado pode naturalmente recuperar-se de uma grande crise graças aos ciclos econômicos. Antes de entendermos os ciclos econômicos, vale ressaltar que nem sempre as crises econômicas são causadas pelo Estado, elas podem ser causadas por epidemias/pandemias, desastres naturais e até mesmo pelo próprio erro humano dentro do mercado, onde uma empresa ou um banco pode falir por mal investimento e, consequentemente, gerar desemprego e afetar o mercado de ações (prejudicando outras empresas e investidores).
Numa economia de mercado, há ciclos onde há maior preferência dos indivíduos em poupar e investir, já em outros, há maior preferência em gastar e consumir. Esses ciclos variam de acordo com a situação econômica onde os indivíduos se encontram, ora, se a situação atual é de prosperidade econômica, com alta produção, emprego em abundância, alto poder de compra, etc., os indivíduos tendem a consumir mais do que produzir e investir, pois se sentem mais seguros em praticar tal ação. Se a situação econômica é de crise, com desemprego, baixa produção, prejuízos, etc., os indivíduos tendem a poupar e investir mais do que antes dessa crise, pois eles só assim poderão se abster de sua deprimente situação econômica. A economia se organiza nesses ciclos, quando o consumo e os empréstimos ultrapassam a capacidade do mercado, os juros tendem a ficar altos e os preços dos produtos ficam caros, assim, inicia-se a fase de investimento e poupança, onde os indivíduos param de consumir em excesso e passam a poupar ou investir. Com o investimento e poupança, a riqueza geral dentro da sociedade tende a subir novamente, os juros ficam baixos e a economia volta ao normal. Isso dentro de um livre mercado, mas, infelizmente, vivemos em uma sociedade com um Estado que injeta dinheiro na economia através do Banco Central, dinheiro gerado do nada. Justamente por não vivermos em um livre mercado, com a injeção artificial de moeda feita pelo Banco Central, os juros ficam artificialmente baixos, gerando muitos empréstimos e aumentando o consumo, com o consumo alto, o preço dos produtos aumenta e a moeda perde seu valor. O Banco Central cria um falso alerta de quando os bancos podem emprestar dinheiro. Um livre mercado sem um Banco Central é a única forma de evitar e solucionar grandes crises.
Claro, é um processo doloroso, dependendo do tamanho da crise, pessoas, empresas e bancos vão ter dor de cabeça com desemprego, prejuízos ou até falimento. Mas aí ocorre uma seleção natural dentro do mercado, durante uma fase de crise onde as pessoas vão começar a sacar seu dinheiro em massa nos bancos para que possam poupar ou investir durante uma crise, somente os bancos que conseguirem pagar suas dívidas com os clientes irão prevalecer no mercado, e somente as empresas e os indivíduos que souberem administrar seus recursos vão prevalecer diante os outros numa crise. De todo modo, sempre que há alguma crise econômica, o mercado sempre se recupera naturalmente com a retomada de poupança, investimentos e baixo consumo, gerando novamente riqueza na sociedade e, consequentemente, desenvolvimento econômico.
Em resumo, quando o Estado injeta dinheiro na economia, nos tempos de crise, ele acaba incentivando mais o consumo do que a poupança e investimento, as pessoas acabam comprando mais quando possuem mais dinheiro, gerando inflação e mantendo a economia na crise devido a falta de incentivos para produção, investimento e poupança.
A teoria dos ciclos econômicos pode ser formalizada da seguinte forma:
1- Os indivíduos tendem a consumir mais se, e somente se, as condições de mercado não são desfavoráveis ao consumo (i.e., quando há mais riqueza na sociedade, maior poder de compra, etc.); (premissa)
2- Se as condições de mercado são desfavoráveis ao consumo, então os indivíduos tendem a consumir menos e voltam a poupar, investir e produzir mais; (de 1)
3- Se há poupança, investimento e produção por parte dos indivíduos, então, as condições voltam a não ser mais desfavoráveis ao consumo; (premissa)
4- Se as condições de consumo não são mais desfavoráveis, o consumo volta ao normal e a crise acaba; (de 1, 3)
Esta dedução se segue logicamente da praxeologia, pois nela é assumido implicitamente que humanos agem sempre suprindo um estado de insatisfação por um estado mais confortável (onde uma crise econômica seria insatisfatória e a retomada de produção seria o meio usado para suprir tal insatisfação na busca por uma situação econômica melhor).
3.4- A ineficiência do Estado na prestação de serviços
Os serviços fornecidos pelo Estado são, e sempre serão, ineficientes se comparado aos da propriedade privada. O Estado não tem incentivo nenhum em prestar bons serviços, a única coisa que ele tem incentivo em fazer é roubar e taxar a produção dos indivíduos no mercado. O Estado passa a sensação dele ser importante para fornecer serviços que você não conseguiria pagar, mas a verdade é que ele rouba o que você produziu e te devolve metade em forma de algum “serviço gratuito e de qualidade”. A iniciativa privada é mais eficiente em fornecer qualquer serviço pois o empresário só atinge seu lucro se alocar seus recursos para as áreas e para as mercadorias que lhe dão mais retorno e, também, conseguir agradar seus clientes de alguma forma (seja com preços e qualidade melhor do que um concorrente). Já com os serviços estatais, não há concorrência, ou seja, o Estado não tem incentivos em fornecer um serviço melhor do que o que ele já serve, da mesma forma ele não teria incentivo em consultar o cálculo econômico para ver em qual área ou em qual serviço ele deve investir mais (se é que existiria mercado para que ele pudesse fazer isso). Se os serviços estão eficientes ou não, não importa, no final ele acaba arrecadando o mesmo.